Direito à Proteção aos Dados Neurais: O surgimento do Neurodireito

25/06/2025

Direito à Proteção aos Dados Neurais: O surgimento do Neurodireito

25/06/2025

Por: Ana Karoline Farias Barros, Roberta Carolaine Lira Lopes e Carlos Augusto da Silva

INTRODUÇÃO

Este trabalho visa explorar a origem e o conceito do Neurodireito como uma disciplina interdisciplinar emergente que combina conhecimentos das neurociências com o direito. Busca-se compreender as implicações legais e éticas das novas tecnologias que permitem a coleta, análise e uso de dados neurais. Além disso, pretende-se analisar como o Neurodireito aborda questões relacionadas à proteção dos direitos individuais, privacidade e autonomia em um mundo cada vez mais influenciado pela tecnologia, destacando as motivações e necessidades que levaram a sua concepção como direito fundamental. Além disso, o que se visa é estimular debates acadêmicos e sociais acerca deste tema a fim de promover a conscientização sobre a importância da defesa e
proteção dos Neurodireitos.

METODOLOGIA

A metodologia adotada para este estudo inclui uma revisão bibliográfica abrangente sobre o tema do Neurodireito, explorando fontes acadêmicas, legislação relevante e estudos de caso. Após a seleção dos estudos pertinentes, uma análise crítica destes é realizada, avaliando sua qualidade metodológica, consistência teórica e relevância para o tema em questão. Além disso, serão analisadas entrevistas com especialistas em neurociência, direito e ética para obter insights sobre as implicações práticas do Neurodireito. A análise dos dados será conduzida de forma qualitativa, identificando tendências, desafios e perspectivas futuras para o campo. Por fim, os resultados da pesquisa são interpretados e discutidos à luz das teorias existentes e das implicações práticas e
éticas para o campo do Neurodireito, contribuindo para o avanço do conhecimento e para a formulação de políticas informadas e baseadas em evidências.

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Com o avanço das neurotecnologias, surge um novo desafio jurídico: como proteger os dados neurais? e a identidade mental dos indivíduos? O tema surge da interseção entre a neurociência e o direito, abordando questões legais associadas ao cérebro humano. Este estudo analisa as implicações jurídicas do Neurodireito, incluindo privacidade, consentimento informado, responsabilidade civil e discriminação. Além disso, explora os desafios enfrentados por essa área emergente, como a falta de legislação específica e a complexidade na interpretação de dados cerebrais.

Em sua essência, o Neurodireito reconhece a influência das descobertas neurocientíficas sobre aspectos fundamentais da experiência humana, como a tomada de decisões, o livre-arbítrio, a responsabilidade moral e a personalidade. Ao integrar os insights da neurociência ao arcabouço jurídico, o Neurodireito visa informar e aprimorar a formulação de políticas públicas, a interpretação das leis e a administração da justiça, promovendo uma abordagem mais justa, ética e eficaz dos desafios legais e sociais enfrentados pela sociedade contemporânea (Silva, 2022).

Nesse sentido, o surgimento do Neurodireito representa um importante avanço na busca por uma compreensão mais profunda e abrangente do comportamento humano e das implicações legais e éticas associadas, impulsionando um diálogo interdisciplinar e multifacetado sobre o papel da ciência e do direito na construção de um mundo mais justo e equitativo. Uma etapa crucial desse processo é a coleta e análise de dados neurocientíficos, que frequentemente são obtidos por meio de técnicas avançadas de imagem cerebral, como ressonância magnética funcional (FMRI) e eletroencefalografia (EEG).

Esses dados são então integrados a conceitos e teorias jurídicas, como responsabilidade legal, tomada de decisões e livre-arbítrio, visando compreender melhor como o funcionamento do cérebro humano influencia o comportamento e as decisões legais. Paralelamente, são realizados estudos empíricos e teóricos sobre as implicações éticas do uso de tecnologias neurocientíficas no contexto jurídico, explorando questões como privacidade, autonomia e justiça social (Maia, 2024).

 O desenvolvimento da pesquisa em Neurodireito tem sido acompanhado por uma crescente atenção e reconhecimento de suas implicações na legislação e prática jurídica. Destaca-se que o pioneirismo do reconhecimento dos dados neurais como direito fundamental foi na Carta Fundamental Chilena, incluindo-os no artigo 19 do respectivo documento. (Silva, 2022). No Brasil, tem-se como a primeira medida de proteção ao Neurodireito a alteração promovida na Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, através da Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 298 de 2023, a qual discorreu, no parágrafo único do artigo 235 da Carta Constitucional do referido Estado, a proteção da identidade mental contra qualquer pesquisa que afete o cérebro e sua atividade, sem o consentimento do indivíduo (Silva, 2022).

Em consequência deste reconhecimento, tramita no Congresso Nacional, a PEC n.º 29/2023, a qual visa incluir a proteção à integridade mental e a transparência algorítmica como direito fundamental, alterando o disposto no artigo 5.º, inciso LXXX da Constituição federal de 1988, nos seguintes termos: “LXXX – o desenvolvimento científico e tecnológico assegurará a integridade mental e a transparência algorítmica, nos termos da lei” (Maia, 2024).

Ainda, está em andamento, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n.º 522/2022, de autoria Deputado Carlos Henrique Gaguim, o qual propõe a modificação na Lei n.º 13.709 de 14/08/2018, a chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a fim de conceituar dado neural e regulamentar a sua proteção. A justificativa utilizada na referida alteração proposta está baseada na necessidade de salvaguarda da privacidade, intimidade e autonomia do cidadão em um contexto de avanço da neurotecnologia (Mua, 2024; BRASIL, 2023).

Para além disso, o desenvolvimento da pesquisa em Neurodireito também se estende à formulação e avaliação de políticas públicas e práticas jurídicas que reflitam os avanços científicos e promovam a justiça e o bem-estar social. Isso envolve o engajamento com legisladores, juristas, profissionais de saúde mental e outros stakeholders relevantes para identificar desafios e oportunidades na aplicação do conhecimento neurocientífico ao sistema legal. Por meio de estudos de caso, simulações e análises de impacto regulatório, os pesquisadores em Neurodireito buscam informar a elaboração de leis e políticas que garantam a proteção dos direitos individuais e promovam a equidade e a justiça no acesso à justiça e aos recursos legais (Porto, 2024).

Consoante discutido por IENCA (2017), isso se dá, pois à medida que as aplicações generalizadas da neurotecnologia introduzem dados cerebrais na infosfera, expõem-nos assim ao mesmo grau de vulnerabilidade a que está exposto qualquer outro pedaço de informação que circula no ecossistema digital. Atualmente, nenhuma salvaguarda legal ou técnica específica protege os dados cerebrais de serem sujeitos às mesmas medidas de prospecção de dados e de invasão de privacidade que outros tipos de informação. A razão para isso decorre do fato, como observa Charo (2005), de que “a tecnologia inova mais rápido do que o sistema regulatório pode se adaptar.

Assim, o desenvolvimento da pesquisa em Neurodireito não se limita ao avanço do conhecimento científico acerca das interfaces entre cérebro, comportamento e responsabilidade jurídica. Ele também desempenha um papel fundamental na construção de pontes entre a ciência e o Direito, com o objetivo de influenciar positivamente a prática jurídica e a formulação de políticas públicas (Porto, 2024).

Ao promover reflexões críticas sobre o uso de neurotecnologias e os riscos associados à coleta e manipulação de dados neurais, o Neurodireito propicia a criação de diretrizes normativas que respeitam os princípios da dignidade da pessoa humana, da privacidade e da autodeterminação cognitiva. Nesse sentido, sua consolidação contribui não apenas para a proteção dos direitos individuais, mas também para o fortalecimento institucional de práticas éticas, transparentes e inclusivas na incorporação de inovações tecnológicas (Mua, 2024).

Como destaca Porto (2024), a atuação propositiva dos estudiosos do tema, ao dialogar com legisladores, magistrados, cientistas e operadores do direito, constitui elemento essencial para assegurar que os avanços científicos estejam comprometidos com a promoção da justiça, da equidade e da responsabilidade social.

CONCLUSÃO

O presente estudo teve como objetivo analisar o surgimento do Neurodireito como uma resposta interdisciplinar aos desafios impostos pelos avanços da neurociência e das tecnologias que permitem a coleta e o processamento de dados neurais. Verificou-se que essa nova vertente jurídica surge da necessidade de proteger a privacidade mental e a autodeterminação dos indivíduos diante de riscos crescentes de manipulação cognitiva.

A análise demonstrou que o reconhecimento dos neurodireitos, tanto no plano internacional quanto nacional — como evidenciado pela recente Emenda Constitucional nº 85/2023 no Rio Grande do Sul — reflete um movimento jurídico e ético voltado à garantia da integridade mental como expressão da dignidade humana. Nesse contexto, a proteção dos direitos à privacidade e à liberdade cognitiva em um mundo cada vez mais digitalizado exige uma compreensão profunda das complexidades do cérebro humano, bem como a criação de estruturas legais específicas e eficazes para a sua salvaguarda.

Apesar das contribuições teóricas apresentadas, o estudo apresenta limitações, especialmente no que se refere à ausência de análises empíricas sobre a efetividade das normas propostas ou já implementadas. O caráter emergente do tema, somado à escassez de regulamentação consolidada no ordenamento jurídico brasileiro, restringe a avaliação prática da aplicabilidade dos neurodireitos. Além disso, não foram abordadas de forma aprofundada as implicações econômicas, técnicas e institucionais envolvidas na implementação de dispositivos legais voltados à proteção da atividade cerebral, o que exige maior desenvolvimento em pesquisas futuras.

Diante disso, recomenda-se a ampliação de estudos empíricos voltados à aplicação dos neurodireitos em contextos específicos, como o ambiente de trabalho, a justiça penal e os sistemas de saúde. Também se mostra relevante investigar os mecanismos adequados de consentimento informado no uso de neurotecnologias e os limites da atuação estatal e empresarial nesse campo.

Ademais, a comparação com ordenamentos que já reconhecem formalmente os neurodireitos, como o caso chileno, pode oferecer parâmetros valiosos para o aperfeiçoamento do marco regulatório brasileiro. Assim, o aprofundamento contínuo da pesquisa nesse campo é essencial para assegurar que os avanços científicos estejam sempre alinhados com a preservação da liberdade cognitiva e da integridade mental enquanto direitos fundamentais.

Palavras-chaves: Neurodireito; Dados neurais; Direito fundamental; Privacidade mental; Neurotecnologia.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição nº 29, de 2023. Altera a Constituição Federal para incluir, entre os direitos e garantias fundamentais, a proteção à integridade mental e à transparência algorítmica. Brasília, 2023ª. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/158095. Acesso em 01 de junho de 2025. 2017.

IENCA, Marcello; ANDORNO, Roberto. Towards new human rights in the age of neuroscience and neurotechnology. Life Sciences, Society and Policy, [S.l.], v. 13, n. 1, p. 1 27, DOI: 10.1186/s40504-017-0050-1. Disponível em: https://lsspjournal.springeropen.com/articles/10.1186/s40504-017-0050-1. Acesso em 01 de junho de 2025

MAIA, Aline Passos; AMARAL, Larissa Maciel; MAIA, Raquel Passos. Neurodireitos e proteção da privacidade no contexto da monitorização cerebral no ambiente de trabalho com tecnologias de IA. Desafios da interface neurodireito e inteligência artificial. Revistado Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, v.43, n.43, 2024, p.09-26. Disponível em: https://revistas.trt7.jus.br/REVTRT7/article/view/175/160 . Acesso em 01 de junho de 2025.

MUA, Cíntia Teresinha Burhalde, SILVEIRA, Paulo Antonio Caliendo Velloso da; Proteção ao neurodireito e à integridade mental na Constituição do RS. Consultor Jurídico, 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jan-05/protecao-ao-neurodireito-a-integridade mental-na-constituicao-do-rs/#:~:text=O%20Chile%20foi%20o%20primeiro,Emotiv%20Inc. Acesso em 29 de maio de 2025.

PORTO, Laura. Neurodireitos: um olhar para o futuro presente na era digital. Migalhas, 2024. em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e registrais/404071/neurodireitos-um-olhar-para-o-futuro-presente-na-era-digital. Acesso em 29 de maio de 2025.

SILVA, Evelyn Melo. Pela Proteção dos neurodireitos no Brasil. Consultor Jurídico, 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-ago-29/evelyn-silva-protecao-neurodireitos/. Acesso em 29 de maio de 2025.

SOBRE OS AUTORES:

Ana Karoline Farias Barros é Advogada e acadêmica em Especialização em Direito, Compliance e Mecanismos Anticorrupção e MBA em ESG e Sustentabilidade, ambas pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA/AM.


Roberta Carolaine Lira Lopes é advogada especialista em Direito Civil pela PUC/MG e acadêmica em Especialização em Direito, Compliance e Mecanismos Anticorrupção pela Universidade do Estado do Amazonas –
UEA /AM.


Carlos Augusto da Silva é graduado em Ciências Sociais (UFAM/1997), especialização em Pedagogia e Gestão empresarial (UFAM/2025), mestrado em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia (UFAM/2010), doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM/2016). Servidor aposentado pela UFAM, atualmente professor colaborador das Universidades Federal do Amazonas e Universidade do Estado do Amazonas, lecionando disciplinas em graduação, pós-graduação e orientando mestrando e doutorando, na linha de pesquisa Dinâmicas Socioambientais, no campo da a Arqueologia da Amazônia.